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Mensagem por Valdeci C. de Souza Sáb Jun 30, 2012 6:53 pm

Seu Nome


“se eu tivesse um bar ele teria o seu nome

se eu tivesse um barco ele teria o seu nome

se eu comprasse uma égua daria a ela o seu nome

minha cadela imaginária tem o seu nome

se eu enlouquecer passarei as tardes repetindo o seu nome

se eu morrer velhinho, no suspiro final balbuciarei o seu nome

se eu for assassinado com a boca cheia de sangue gritarei o seu nome

se encontrarem meu corpo boiando no mar no meu bolso haverá um bilhete com o seu nome

se eu me suicidar ao puxar o gatilho pensarei no seu nome

a primeira garota que beijei tinha o seu nome

na sétima série eu tinha duas amigas com o seu nome

antes de você tive três namoradas com o seu nome

na rua há mulheres que parecem ter o seu nome

na locadora que frequento tem uma moça com o seu nome

às vezes as nuvens quase formam o seu nome

olhando as estrelas é sempre possível desenhar o seu nome

o último verso do famoso poema de Éluard poderia muito bem ser o seu nome

Apollinaire escreveu poemas a Lou porque na loucura da guerra não conseguia lembrar o seu nome

não entendo por que Chico Buarque não compôs uma música para o seu nome
se eu fosse um travesti usaria o seu nome

se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome

minha mãe me contou que se eu tivesse nascido menina teria o seu nome

se eu tiver uma filha ela terá o seu nome

minha senha do e-mail já foi o seu nome

minha senha do banco é uma variação do seu nome

tenho pena dos seus filhos porque em geral dizem “mãe” em vez do seu nome

tenho pena dos seus pais porque em geral dizem “filha” em vez do seu nome

tenho muita pena dos seus ex-maridos porque associam o termo ex-mulher ao seu nome

tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela primeira vez o seu nome

quando fico bêbado falo muito o seu nome

quando estou sóbrio me controlo para não falar demais o seu nome

é difícil falar de você sem mencionar o seu nome

uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome

coelho tinha o seu nome

xícara tinha o seu nome

teleférico tinha o seu nome

no índice onomástico da minha biografia haverá milhares de ocorrências do seu nome

na foto de Korda para onde olha o Che senão para o infinito do seu nome?

algumas professoras da USP seriam menos amargas se tivessem o seu nome

detesto trabalho porque me impede de me concentrar no seu nome

cabala é uma palavra linda, mas não chega aos pés do seu nome

no cabo da minha bengala gravarei o seu nome

não posso ser niilista enquanto existir o seu nome

não posso ser anarquista se isso implicar a degradação do seu nome

não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu nome

não posso ser fascista se não quero impor a outros o seu nome

não posso ser capitalista se não desejo nada além do seu nome

quando saí da casa dos meus pais fui atrás do seu nome

morei três anos num bairro que tinha o seu nome

espero nunca deixar de te amar para não esquecer o seu nome

espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigado a esquecer o seu nome

espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome

espero que você nunca me odeie para eu não ficar arrasado ao ouvir o seu nome

a literatura não me interessa tanto quanto o seu nome

quando a poesia é boa é como o seu nome

quando a poesia é ruim tem algo do seu nome

estou cansado da vida, mas isso não tem nada a ver com o seu nome

estou escrevendo o quinquagésimo oitavo verso sobre o seu nome

talvez eu não seja um poeta a altura do seu nome

por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer explicitamente o seu nome”



Fabrício Corsaletti.
Valdeci C. de Souza
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Mensagem por Valdeci C. de Souza Sáb Jun 30, 2012 7:07 pm

O Guardador de Rebanhos

O Guardador de Rebanhos é um conjunto de 49 poemas escrito por Alberto Caieiro (heterônimo de Fernando Pessoa). Desta vasta obra poética, sem sombra de dúvida, o poema oitavo é o mais polêmico uma vez que nos mostra Jesus Cristo mais “humano” e muito diferente de Cristo apregoada pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Escandaloso na primeira leitura, mas terno e sensível quando o lemos de espírito puro.

Talvez seja este o Cristo que estejamos precisando atualmente e não aquele ser distante no alto de seu pedestal celestial a nos julgar e a derramar sobre nós castigos e exigir adoração incondicional. Jesus Cristo de Fernando Pessoa é, acima de tudo, um homem (ou menino) a quem gostaríamos de ter como amigo e confidente sem temores e pecados a nos separarmos. Nas palavras do poetas: “Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza. Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. E a criança tão humana que é divina”…



Veja no site do Programa Provocações da TV Cultura o vídeo que Antonio Abujamra declama – de forma primorosa – o Oitavo Poema:

http://www.tvcultura.com.br/provocacoes/poemas?next=13



A íntegra do Oitavo Poema na sua plenitude:




VIII
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas…
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
«Se é que ele as criou, do que duvido» –
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?
Valdeci C. de Souza
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Mensagem por Valdeci C. de Souza Sáb Jun 30, 2012 7:11 pm

Ana Terra e Pedro Missioneiro - Um amor (Im)possível

Érico Veríssimo reescreveu a história do Rio Grande do Sul com sua obra O Tempo e o Vento já comentada e discutida em todos os cantos deste país continental e certamente já traduzido para vários idiomas. Quem não leu o Tempo e o Vento deveria fazê-lo imediatamente uma vez que o autor é reconhecido como um grande escritor e soube, como poucos, narrar os fatos ocorridos no Rio Grande do Sul e descortinar a saga do povo gaúcho além de retratar momentos importantes da história brasileira. Mas não é sobre esta obra extensa que gostaria de escrever uma vez que tudo já foi dito, escrito e reescrito sobre O Tempo e o Vento. Muitos estudos foram feitos sobre esta fantástica saga rio-grandense. Quero publicar aqui a comovente e singela forma com que Érico Veríssimo descreve a cena em que Ana Terra se entrega ao amor do índio Pedro Missioneiro.

Deixo aqui minha homenagem a esta obra magnífica e a recomendação para que leiam O Tempo e o Vento. Impossível ficar indiferente e não se emocionar com o amor de Ana Terra e Pedro Missioneiro. Meu olhar passou sobre cada palavra destas linhas com o espírito daqueles que amam e valorizam este sentimento e todas as transformações que ele traz.

Emocione-se com o encontro amoroso de Ana Terra e o índio Pedro Missioneiro, descrita por Érico Veríssimo. Poesia pura!

“Num dado momento sua madorna foi arranhada por um estralar de ramos secos que se quebram. Teve um retesamento de músculos e abriu os olhos. Tigre ou cobra – pensou. Mar uma dormência invencível chumbava-a à terra. Voltou um pouco a cabeça na direção do ruído e vislumbrou confusamente um volto de homem, quase invisível entre os troncos das árvores, bem como certos bichos que tomam a cor do lugar onde estão. Ana então sentiu, mais que viu, que era Pedro. Quis gritar mas não gritou. Pensou em erguer-se mas não se ergueu. O sangue pulsava-lhe com mais força na cabeça. O peito arfava-lhe com mais ímpeto, mas a paralisia dos membros continuava. Tornou-se a fechar os olhos. E ouviu Pedro caminhar, aproximar-se num ruído de ramos quebrados, passos na água, seixos que se chocam. Apertava os lábios já agora com medo de gritar. Pedro estava tão perto, que ela sentia sua presença na forma dum cheiro e dum bafo quente. Sentiu quando o corpo do índio desceu sobre o dela, soltou um gemido quando a mão dele lhe passou num dos seios, e teve um arrepio quando essa mão lhe escorregou pelo ventre, entrou-lhe por debaixo da saia e subiu-lhe pelas coxas como uma grande aranha caranguejeira. Numa raiva Ana agarrou com fúria os cabelos de Pedro, como se os quisesse arrancar.”



“E o tempo passava… À noite Ana dormia mal, pensava muito e temia mais ainda. Procurava convencer-se a si mesma de que podia viver sem Pedro, continuar como era antigamente. Achava que tudo tinha acontecido só por causa do calor e de sua solidão. Mas se por um lado ela queria levar os pensamentos para essa direção, por outro seu corpo ia sempre que possível para Pedro, com quem continuava a encontrar-se à hora da sesta no mato da sanga. Ficava com ele por alguns instantes, com o coração a bater descompassado. Falavam muito pouco e o que diziam nada tinha a ver com o que faziam e sentiam. Eram momentos rápidos, excitantes e cheios de sustos. E no dia em que pela primeira vez ela sentiu em toda a plenitude o prazer do amor, foi como se um terremoto tivesse sacudido o mundo. Voltou para casa meio no ar, feliz, como quem acaba de descobrir uma salamanca – ansiosa por ruminar a sós aquele gozo estonteantemente agudo que a fizera gritar quase tão alto como os quero-queros…”
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